Como já vimos, criacionistas em geral, e os partidarios do chamado “design inteligente” em particular, tem a tendência de advogar uma espécie de Conspiracionismo para justificar a ausência de apoio para suas teses no seio da comunidade científica. Isto é, haveria uma especie de Grande Conspiração Global, envolvendo todos os cientistas, de todo o Mundo, independente de instituição, país, regime político, religião, ou ideologia.
Paradigmático desse delírio conspiracionista é o blog Desafiando a Nomenklatura Científica, que no próprio nome já diz ao que vem:
“Nomenklatura é um termo emprestado de Milovan Djilas (1911-1995), líder comunista dissidente e escritor, nascido em Polja, Montenegro. Suas críticas ao Partido Comunista, em 1954, levaram à sua expulsão e prisão entre 1956 e 1966. O que Djilas contestou foram dogmas ideológicos de uma classe dominante. É nesse sentido que empregamos o termo”.
Aqui, o autor do blog, Enézio Eugênio de A. Fº, no seu primeiro post, de Janeiro de 2006, cita a si próprio em carta ao Observatório da Imprensa. A carta é de 1999, e Enézio Eugênio se apresentava então como “Bacharel em Letras, mestre em Artes (como Darwin…) e Estudos Bíblicos [grifo meu], pesquisador em Educação em Ciências”. Já em outro texto, anterior àquele (1998), no mesmo Observatório da Imprensa, Enézio Eugênio revela que
…Há mais de 10 anos (isso mesmo – há mais de 10 anos) venho salientando isso[*] a diretores de redação/editores de Ciência dos maiores veículos de comunicação do Brasil..
[*questionando a validade científica do “paradigma neodarwinista”]
Hoje, Enézio Eugênio é Mestre em História da Ciência (doutorando na mesma área), e tão convicto como há já mais de 20 anos, das “insuficiências epistêmicas”(sic) da Teoria da Evolução (ou Darwinismo/Evolucionismo, termos que gosta de usar como se designassem uma ideologia política) em um “contexto de justificação teórica”(sic).
E também das ‘maquinações’ da “Nomenklatura Científica”(sic), a qual, segundo ele, continua aprontando:
Uma triste nota para a ciência: por detrás dos bastidores, a Nomenklatura científica já impediu a publicação do documento com as conclusões que chegou o grupo que ficou conhecido como “Os 16 de Altenberg” sobre a necessidade de uma nova teoria da evolução – a Síntese Evolutiva Ampliada, que não seria selecionista.
Uau! Soa grave não é? Mas do que se trata afinal? Quem e o que são esses “16 de Altenberg”? Uma espécie de sociedade secreta?
Para entender é preciso recuar há Março de 2008, quando a jornalista Suzan Mazur deu publicidade a um encontro de cientistas e filósofos realizado em Altenberg, Áustria, em Julho do mesmo ano. A jornalista descreveu o encontro como um “Woodstock da evolução”, composto por verdadeiras “estrelas do rock” da ciência, a quem ela chamou de os “16 de Altenberg”. A partir do artigo inicial outros se seguiram formando uma série no sítio neozelandes Scoop, sendo compilados depois em livro:
The Altenberg 16: An Exposé Of The Evolution Industry. O livro é vendido, mas alguns capítulos ainda podem ser lidos online.
O título já diz bastante. Existiria um “Negócio da Evolução” que precisa ser exposto, desmascarado. E os “16 de Altenberg” estariam justamente promovendo esse desmascaramento. Segundo a escritora é necessário
….nos livrar da mentalidade de “sobrevivência do mais apto”
da seleção natural que tem empesteado a civilização por um século e meio…
Na esperança de que essa
…ideologia possa ser substituida por uma explicação mais humana para a nossa existência e previna próximas guerras, crises econômicas e a destruição da Terra…
O que fica claro é que a moça tem uma objeção “ideológica” à Teoria da Evolução (TdE) por seleção natural. Provavelmente por que ela não entende realmente do que se trata, a julgar pelo uso que ela faz do batidíssimo chavão “sobrevivência do mais apto”, que não é sequer da autoria de Darwin. Mas mesmo que o fosse é gritantemente óbvio que isso não explica os séculos e séculos de guerras contínuas, e crises econômicas (que não eram chamadas assim óbviamente), que aconteceram muito, mas muito antes de Darwin entrar em cena. Então, além de não entender de fato o que é a TdE, Suzan Mazur não tem qualquer senso de proporção .
A espalhafatosa caracterização da reunião de Altenberg, vendida como uma espécie de encontro quase-secreto de conspiradores dissidentes do “darwinismo” (termo usado pela jornalista como se se tratasse de uma ideologia política, no que ela parece acreditar), contrasta fortemente com a sóbria descrição dos fatos feita pelo co-organizador do encontro, o filósofo Massimo Pigliucci: uma reunião de trabalho, um workshop (parte de uma série regular promovida pelo Konrad Lorenz Institute), com reduzido número de participantes para facilitar a discussão e a troca, com o propósito de incorporar ou não à TdE novas descobertas empiricas, e novos conceitos, produzindo uma atualização da Teoria. Como já foi feito nos anos 1930 e 1940, quando os então novos avanços da genética mendeliana foram incorporados ao Darwinismo original, produzindo o que ficou conhecido como a Síntese Moderna (pois ao contrário do que alguns imaginam a atual TdE já é verdadeiramente pós-darwinista). Portanto, não se trata de uma “revolução” com mudança de paradigma, nem de uma “nova” teoria da Evolução, ou de derrubar o “darwinismo” e “nos livrar da mentalidade da…seleção natural…”, e muito menos de adotar o “design” (sic) “inteligente” (sic) como “alternativa”. É Pigliucci quem fala:
você viu qualquer coisa aqui que aponte para a evolução como uma “teoria em crise”? Eu disse qualquer coisa acerca de designers inteligentes, de rejeição ao “darwinismo”, ou de qualquer das outras tolices que abarrotaram os muitos comentários desinformados ou francamente ridículos em toda a Web, sobre a reunião de Altenberg? Creio que não. Se o encontro for um sucesso, o que teremos conseguido é dar mais um passo na discussão contínua entre os cientistas sobre como nossas teorias dão conta dos fenômenos biológicos, e como a elaboração de novas construções teóricas se equiparam às descobertas de novos fenômenos.
Se não bastasse, isso fica ainda mais claro com a publicação das notas de trabalho de Pigliucci, partes 1, 2 e 3, e da declaração final, consensual, do grupo: “Altenberg 2008: What Happened?”, que conclui:
Ao incorporar esses novos resultados e intuições a nossa compreensão da evolução, acreditamos que o poder explanatório da teoria evolucionária, dentro da Biologia e além, se expande enormemente. Como é da natureza da Ciência, algumas idéias sobreviverão ao teste do tempo, enquanto outras sofrerão modificações significativas.
Evidentemente tudo isso desmonta a historinha da nossa brava (para)jornalista, mas, como manda o manual, quando os fatos desmentem uma boa história, a saída é desqualificar o portador das “boas” novas, i. é., mata-se (metafóricamente é claro) o mensageiro. Além, é claro, de dar voz e vez a qualquer maluco que apareça com alguma “nova teoria”. Pois no fim das contas, não se pode mesmo confiar muito nesses “16 de Altenberg”, que afinal também fazem parte do “Negócio da Evolução”, não é?
Curiosamente, para alguém sempre tão vigilante das “insuficiências epistêmicas” da TdE, todas essas insuficiências factuais passam batidas, incólumes, pelo exame “crítico” do nosso “pós-darwinista”, que não vê nenhuma “falha epistêmica em contexto de justificação teórica” nas histórias da Srta. Mazur. Pelo contrário, nosso diligente blogueiro repercute a “história” com inaudito entusiasmo, em várias postagens e notas. O Google conta 72 menções a “Altenberg” e “16”, e 167 para “Sintese Evolutiva Ampliada”, que, segundo o “pós-darwinista”(sic) será a “nova teoria da evolução que não será selecionista”, a ser lançada em 2010, conforme ele vem alardeando em tom triunfalista desde então.
A luz do que realmente ocorreu em Altenberg, informação a qual Enézio Eugênio tem acesso, todo esse oba-oba é simplesmente incompreensível. Puro nonsense. Qual o sentido disso tudo? De duas, uma é que o “pós-darwinista” (sic) esteja de fato preparando a sua própria versão de “exposé do negócio da evolução”. Quando os resultados do encontro estiverem disponíveis, e ficar claro que não é nada daquilo que ele vem trombeteando, daí sairá mais uma vez denunciando a “Nomenklatura Científica”. Ou então, vai simplesmente continuar ignorando os fatos, e dizendo que uma coisa é outra coisa. No mínimo o trabalho desse grupo de cientístas vai render toneladas de quote minning por muito tempo ainda.
Haja “insuficiência epistêmica em contexto de justificação teórica”!
[…] claro. A Grande Conspiração Mundial dos Cientistas Malucos, envolvendo absolutamente TODOS os cientistas, de TODAS as áreas, de TODOS os países, regimes […]
As ciências biológicas não é uma área da qual tenha grande conhecimento. Contudo, sei que é valido questionar qualquer teoria para reconhecer em quais pontos ela pode ser melhor desenvolvida.
Uma teoria ser largamente aceita não quer dizer que seja verdadeiro, o que a torna verdadeira é o método científico. Em materia científica, ser sectário é sempre um erro.
Vejamos o exemplo do determinismo biológico, da política da determinação das raças.
Paulo
Realmente não sei se entendi o que você quiz dizer. Você confessadamente não tem grande conhecimento de Biologia, mas acha válido questionar “qualquer teoria”, no caso a Teoria da Evolução (TdE)?
Mas ai você a questionaria baseado em quê?
Você há de convir que qualquer questionamento tem que estar baseado, fundamentado em alguma coisa. Não pode ser apenas o questionamento pelo questionamento, isso seria leviano, concorda?
A TdE não é verdadeira por ser largamente aceita, não é uma questão de popularidade. Ela é largamente aceita porque é verdadeira. Isto é, ela está em conformidade com os fatos, os fenômenos observados. Ela tem grande poder explanatório, ou seja, ela é capaz de explicar os fatos, tornando-os compreensíveis, e ela tem poder predidivo, isto é, ela é capaz de prever fenômenos ainda não observados, apontando novos caminhos de investigação.
Não é o método científico que torna uma teoria verdadeira. O método fornece um conjunto de maneiras, critérios para julgar, avaliar proposições (científicas ou não).
[…] Absurdo? Pois é, mas como a vida com frequência consegue ser mais absurda que a ficção, algo similar acontece, não na Astronomia ou na Física, mas na Biologia. Falo, é claro, dos Criacionistas, que insistem em tentar traficar religião como ciência, e diante da justificada e unânime rejeição dos cientistas, posam de “perseguidos pelo sistema”, como aliás já falei aqui. […]
[…] Conspiracionismo Indigente, ou Desmascarando a Camarilha Pseudocientifica – O Gato Précambriano […]
Concordo com o gato. Chega a ser engraçado, o cara parece sinistro e dá uns deslises, como criticar o curso de mestrado em formação científica na área biológica, desqualificando-o caso não considerasse essa tal nova teoria. E a seita…rs me lembrou Jim Jones.
O universo não é determinístico, segundo Heisenberg, como a biologia iria ser? A teoria atual sobre evolução, baseada nas idéias de Darwin, é uma teoria bastante consistente devido as fortes evidências. Parece muito confortável para algumas pessoas acreditar naquilo que querem, estes indivíduos provavelmente não quebrarão paradigmas como foram Galileu, Newton, Darwin, Einstein, Watson. Carl Sagan disse: “É muito melhor compreender o universo como ele é realmente do que imaginar um universo como gostaríamos que ele fosse.”
Porquê negar as evidências?
Sobre teorias, se toda teoria científica se tornasse verdadeira um dia, a ciência não teria avançado.
Se a TdE for tomada como verdadeira, qualquer discussão sobre se torna inútil, pois só existe uma verdade (isso é questionável)
Digo que acredito nela, assim como a divulgo. Porém, uma grande mudança nesta teoria, acredito, só ocorreria se descobríssemos um novo modelo de origem e evolução de vida fora da terra.
Alexandre
Acho que você está confundindo um pouco as coisas.
A TdE é verdadeira dentro daquilo que se conhece, isto é, as evidências. Novas evidências, que não estejam dentro do que a teoria prevê, podem ser incorporadas à ela meidante modificações, como foi o caso com os genes, ou podem colocá-la em cheque. O problema é que até hoje, evidências do último tipo, não apareceram, pelo contrário. De modo que hoje, somente algo muito extraordinário, e improvável, abalaria a teoria.
Ok Gato, vc completou o que eu disse.
Descobri este blog por acaso, e achei bastante interessante, resolvi dar até um pitaco, mas depois vi que a discussão foi de 2010. Não importa. Talvez eu venha aprender aqui. Parabéns por divulgarem a ciência.
Percebi que algumas pessoas aqui não perdem a oportunidade de criticar os que creem em num Deus ou no criacionismo, mesmo em outros temas.
Digo que a algum tempo atras os físicos cosmologistas chegaram a levantar a hipótese do universo não ter tido um início, não haveria singularidades nem Big Bang (a teoria quântica reabre esta possibilidade). Hawking diz: “Enquanto acreditávamos que o universo teve um início, o papel de um criador parecia evidente. Mas se, de fato, o universo for inteiramente autocontido, não tendo contorno ou beiradas, não tendo um início nem fim, então a resposta não é tão óbvia assim: qual é o papel de um criador?”
Se isso vier algum dia a ser demonstrado, para os bons entendedores toda essa discussão sobre Deus, etc. perderá o sentido. Mas, acreditem, a maioria das pessoas continuarão a acreditar num Deus, assim como os seres vivos foram criados em uma semana. Penso que isso é inerente a condição humana. Discussão complexa e por vezes inútil. Povos antigos sempre acreditaram em algo além do físico, os primeiros hominídeos enterravam seus mortos, para quê? Em que acreditavam?
O próprio Darwin parecia ter um conflito em relação as suas idéias evolutivas e o homem. O grande Einstein, relutando a teoria da incerteza, disse umas de suas célebres frases: “Deus não joga dados”.
[…] Absurdo? Pois é, mas como a vida com frequência consegue ser mais absurda que a ficção, algo similar acontece, não na Astronomia ou na Física, mas na Biologia. Falo, é claro, dos Criacionistas, que insistem em tentar traficar religião como ciência, e diante da justificada e unânime rejeição dos cientistas, posam de “perseguidos pelo sistema”, como, aliás, já falei aqui. […]